É difícil entrar em um bar de música ao vivo no Brasil e não ouvir esse pedido ecoar da plateia. Mais do que um bordão, virou símbolo da presença constante de Raul Seixas no imaginário popular brasileiro. Décadas depois de sua morte, o “Maluco Beleza” segue vivo na cultura, seja na voz dos artistas que interpretam suas canções, seja na devoção de seus fãs. Essa força ganha um novo capítulo com a exposição O Baú do Raul, no MIS ( Museu da Imagem e do Som), que apresenta documentos inéditos, itens originais e fotografias cedidos por sua ex-esposa, Kika Seixas, e pelo fã número 1, Sylvio Passos, mas não perca tempo, pois falta menos de um mês para a exposição acabar, ela fica até 02 de novembro de 2025.
O baiano começou como compositor, mas sonhava mesmo em ser cantor. Nos anos 1960, mudou-se para o Rio de Janeiro e, como contou anos mais tarde em Ouro de Tolo, chegou a passar fome por dois anos na Cidade Maravilhosa. Foi nesse período que deu os primeiros passos como líder da banda Raulzito e os Panteras, que misturava rock com influências da Jovem Guarda. Apesar de conquistar alguma notoriedade inicial, o grupo não chegou ao grande público, e Raul seguiu em busca de uma carreira solo que traduzisse sua verdadeira essência.
O destino mudou de vez quando uniu Raul ao escritor Paulo Coelho. Juntos, criaram uma parceria intensa, marcada por genialidade, competitividade e mergulhos no misticismo e no esoterismo.
Da colaboração nasceram álbuns que moldaram a história do rock brasileiro:
- Krig-Ha, Bandolo! (1973): primeiro álbum de Raul, gravado e lançado pela Philips com produção de Marco Mazola. O título, inspirado em um grito de guerra do personagem Tarzan que significa “Cuidado, eu mato!”, já anunciava a irreverência do artista. Com 12 faixas, trouxe clássicos como “Metamorfose Ambulante”, “Mosca na Sopa”, “As Minas do Rei Salomão”, “Al Capone” e “Ouro de Tolo”.

- Gita (1974): considerado o maior sucesso de sua carreira, vendeu 143 mil cópias e rendeu ao cantor o primeiro disco de ouro. Regressado do exílio, Raul aparece na capa vestido de guerrilheiro, empunhando uma guitarra vermelha — uma provocação direta à ditadura militar que o havia forçado a viver nos Estados Unidos. O disco reúne alguns de seus hinos mais conhecidos, como “Gita” (inspirada no Bhagavad Gita, texto sagrado hindu de mais de 6.000 anos), “Sociedade Alternativa” (inspirada nas ideias de Aleister Crowley) e “Medo da Chuva”.

- Novo Aeon (1975): trouxe composições marcantes como “A Maçã”, que falava de liberdade sexual com nuances místicas.
- Há 10 mil anos atrás (1976): marcou o retorno de Raul ao misticismo após a queda de vendas de Novo Aeon. A capa o retrata como um profeta. O álbum trouxe sucessos como “Eu Também Vou Reclamar” e “Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás”, além de faixas memoráveis como “Canto para Minha Morte” e “Meu Amigo Pedro”.

- Mata Virgem (1978): último fruto da parceria, contém faixas como “As profecias” e “Judas”.

Nova fase
Encerrada a colaboração com Paulo Coelho, Raul encontrou em Cláudio Roberto um novo parceiro criativo. Juntos, compuseram músicas que se tornaram hinos, como “Maluco Beleza”, “Aluga-se”, “Rock das Aranha” e “Cowboy Fora da Lei”. Foi também ao lado dele que Raul lançou seu primeiro disco inteiramente dividido com um único parceiro: O Dia em que a Terra Parou (1977).
O Dia em que a Terra Parou (1977): foi o primeiro álbum lançado após a mudança de gravadora, inaugurando a parceria de Raul com a Warner Music Brasil. O disco marcou também uma virada estética e temática: de cabelo curto, terno e gravata, o cantor apresentou um visual mais contido enquanto explorava, nas letras, uma busca por libertação e emancipação pessoal. Entre os destaques, estão os hits “Maluco Beleza”, “O Dia em que a Terra Parou”, “Sapato 36” e “No Fundo do Quintal da Escola”.

Últimos momentos
Em 1982, aos 36 anos, Raul não vivia seu melhor momento. Durante um show em Caieiras, na Grande São Paulo, subiu alcoolizado ao palco diante de apenas 300 pessoas. O público, então desconfiado da performance, acreditou que se tratava de um sósia desafinado. Sem documentos para provar sua identidade, Raul quase foi linchado e acabou preso, além de agredido pelo delegado. Nos sete anos seguintes, sua saúde — já debilitada pelo abuso de drogas e álcool — deteriorou-se de vez. Em 21 de agosto de 1989, aos 44 anos, foi encontrado morto em seu apartamento em São Paulo. A certidão de óbito não trouxe surpresas: pancreatite crônica e hipoglicemia, sequelas diretas do alcoolismo.
Apesar de não ter deixado nenhum bem, o cantor deixou um legado imenso. Sua trajetória não foi apenas a de um músico, mas de um pensador irreverente, que ousou misturar rock, baião, filosofia, crítica social e espiritualidade. A cada “Toca Raul” gritado em algum canto do Brasil, renasce a lembrança de um artista que fez da contradição e da liberdade a sua maior obra.